“ O que me é mais importante deve ser dito, verbalizado e compartilhado” Audre Lorde, 1977.
Analisando a minha trajetória enquanto sapatão preta, percebo a presença da tirania do silêncio em determinados momentos da vida. Durante boa parte da minha infância, adolescência e início da vida adulta, sempre carreguei o medo de falar o que eu estava pensando ou sentindo.
Lembro da época da escola, na maioria das vezes quando os professores faziam perguntas à turma, eu sabia a resposta mas não falava por sentir medo de falar. Eu me silenciava por medo de ser vista, de chamar atenção ou simplesmente por não acreditar que a minha resposta era a correta para a pergunta.
O medo que paralisa, o não conhecimento da opressão, a ausência de um termo específico para nomear aquela dor, a espera de alguém falar por nós, a repressão dentro de casa para silenciar nossa voz… São diversos os motivos para o silenciamento.
Carreguei esse medo comigo até a faculdade. Só depois percebi que eu me colocava nesse lugar de silêncio, por não ver outras pessoas iguais a mim no lugar da visibilidade/ da fala. Sempre me achei uma pessoa tímida mas eu não nasci tímida. A sociedade foi me empurrando para esse lugar de timidez, eu fui moldada socialmente para não falar, não reclamar, basicamente não existir.
“ Eu temia que questionar ou me manifestar de acordo com as minhas crenças resultasse em dor ou morte”
Audre Lorde
Lendo Audre Lorde, aprendi a importância de transformar o silêncio em linguagem e ação. Quando derrubamos as barreiras impostas pelas opressões estruturais e ocupamos nossos lugares de fala para construir novas narrativas, saímos dessa inércia provocada pela opressão do silêncio.
No feminismo negro, encontrei o afeto e acolhimento para romper as tiranias do silêncio. Entendendo que o meu medo sempre iria existir, mas que poderia usá-lo de forma estratégica, para avançar não apenas individualmente mas coletivamente também.
Demorei um certo tempo para compreender o sentimento de raiva que carregava em mim, junto com uma constante sensação de não pertencimento. Por não entender as estruturas que constantemente me oprimiam e não saber nomeá-las, fiquei refém da tirania do silêncio.
Mas, mesmo calada com medo de falar, eu era tão ferida quanto aquelas que já estavam falando. Ser uma mulher negra é carregar essa vulnerabilidade da negritude, minha existência não faz parte dos planos do Estado.
“Quais são as palavras que você ainda não tem? O que você precisa dizer? Quais são as tiranias que você engole dia após dia e tenta tomar para si, até adoecer e morrer por causa delas, ainda em silêncio? “ Audre Lorde
A sobrevivência das pessoas negras e LGBTQI’s no Brasil por exemplo, não faz parte dos planos do Estado, com sua formação colonial baseada na escravidão da população negra e invasão de terra indígenas. Hoje servindo de interesse a grupos dominantes herdeiros, daqueles que começaram uma onda genocida lá em 1500 e que até hoje está em curso.
Mas por que estou falando isso? Porque quando perdemos o medo de falar e transformamos as tiranias do silêncio em linguagem e ação, nos movimentamos contra essas estruturas, máquinas de matar corpos e suas subjetividades.
Junho é o mês do Orgulho LGBTQI+ e essa data é celebrada não apenas para comemorarmos a nossa existência mas também para lembrarmos que ela é símbolo da resistência de Stonewall por exemplo, onde as pessoas LGBTQI romperam com as tiranias do silêncio e denunciaram, principalmente, a violência policial.
Romper com as barreiras do silêncio é o início de um caminho pela busca do reconhecimento da nossa existência e direitos, principalmente o direito à vida.
Até a próxima.
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Referências:
A transformação do silêncio em linguagem e em ação- Audre Lorde
Seu Silêncio Não vai te proteger: SEU SILÊNCIO NÃO VAI TE PROTEGER
Lesbian Avengers Kick Off The First Dyke March Ever, April 24, 1993: Lesbian Avengers Kick Off the First Dyke March Ever, April 24, 1993
Foto 1: Audre Lorde
Foto 2: A Women’s Celebration at the Oakland Museum Oakland CA 1975 photo by Cathy Cade
Foto 3: screenshot via After Stonewall documentary
Foto 4: “ Lésbicas por direitos trabalhistas iguais’’ (tradução livre) 1971 Albany Gay Rights Demonstration photo by Diana Davies via NYPL
Foto 5: Cartaz do movimento “Lésbicas Vingadoras’’ dos anos 90. Organização social pela sobrevivência e visibilidade lésbica.
Foto 6: 1972 The Black Lesbian Caucus at NY Gay Pride